Apesar da escalada de violência na Venezuela que culminou na prisão de Maria Corina Machado durante algumas horas e a condenação de grande parte da comunidade internacional que reconheceu o líder da oposição Edmundo González Urrutia Como novo presidente eleito, Lula permaneceu em silêncio. Ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, com quem conversou ontem por telefone, Lula disse apenas que queria pedir a Maduro que retomasse o diálogo com a oposição. Seu vice falou sobre seu governo Geraldo Alckminque descreveu a investidura de Maduro como “deplorável”, e dois ministros. O ministro dos Transportes, Renan Filho, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), descreveu o líder venezuelano como um “ditador incansável” e disse que a tomada do poder “pela força bruta e sem legitimidade deve ser condenada”. O ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, do Partido Republicano, afirmou que a tomada do poder pelo venezuelano é “um ataque aos princípios democráticos”.
A Venezuela fechou não só a fronteira com a Colômbia, mas também com a brasileira. Soldados do regime foram fotografados posicionados na divisa com o estado de Roraima, na rodovia BR-174. O senador do estado de Roraima Hiran Gonçalvesdo Partido Progressista (PP), protestou contra o fechamento. “O governo brasileiro deve buscar de forma diplomática, mas firme, o diálogo com as autoridades venezuelanas, cujo objetivo é a reabertura da fronteira e o retorno seguro dos caminhoneiros brasileiros ao nosso país”, disse o parlamentar, que descreveu o fechamento da fronteira como uma ação arbitrária do “governo tirânico” de Maduro.
Ao mesmo tempo em que os militares venezuelanos fechavam a fronteira brasileira, Lula autorizou o envio de seu embaixador Glivânia Maria de Oliveira à cerimónia de investidura de Maduro ontem, que contou com a presença maioritária de representantes de regimes autoritários como a China e a Bielorrússia. O assessor de política externa de Lula, Celso Amorim, justificou a decisão dizendo à CNN Brasil que seu país “respeita o ritual diplomático das relações entre os Estados”. De acordo com o protocolo, as inaugurações presidenciais contam com a presença do Ministro das Relações Exteriores, Mauro VieiraAmorim ou o próprio Lula. O envio de um único embaixador, segundo alguns analistas, indica todas as contradições das relações do Brasil com a Venezuela: por um lado, um possível descontentamento político; de outro, o interesse em mantê-los vivos. Em 2022, o comércio bilateral entre o Brasil e a Venezuela foi de cerca de 1,7 mil milhões de dólares, com as exportações brasileiras no valor de 1,3 mil milhões de dólares e as exportações venezuelanas no valor de 400 milhões de dólares, segundo dados das autoridades brasileiras. A Embaixadora Glivânia Maria de Oliveira esteve na companhia de seus homólogos da Colômbia e do México durante a posse de Maduro. Também com eles estavam o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, o da Nicarágua, Daniel Ortegae o presidente do Parlamento Russo, Viacheslav Volodin.
Um dos aliados políticos de Lula, o governador do Pará, Hélder Barbalhodo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), criticou a falta de posicionamento do Governo em suas redes sociais. “Não é possível não tomar, não é possível emitir sentenças seletivas contra os golpistas”escreveu. Na quinta-feira, ao mesmo tempo em que a líder da oposição venezuelana María Corina Machado era detida pelos homens do regime, a brasileira Mônica Valente, membro da direção nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula, festejou o Governo de Maduro numa reunião de Fórum de São Paulo em Caracas. O Fórum de São Paulo reúne partidos e movimentos de esquerda não só da América Latina e foi fundado em São Paulo, Brasil, em 1990, pelo próprio Lula juntamente com Fidel Castro. Em seu discurso, Mônica Valente agradeceu ao povo venezuelano “que neste momento está tomando em suas mãos sua soberania e liberdade com a posse de Nicolás Maduro”, disse ela. O evento no Fórum de San Pablo, em Caracas, foi intitulado ‘Festival Internacional Antifascista Mundial’. Em artigo publicado no jornal O Estado de São PauloEliane Cantanhêde escreve que “era um absurdo Lula ignorar a tragédia venezuelana e iniciar o terceiro mandato com uma reverência ao ditador. Tal como foi um escândalo que o Partido dos Trabalhadores (PT) tenha “reconhecido” a vitória de Maduro numa eleição flagrantemente fraudulenta. E agora, como o Brasil reagirá se o banho de sangue durante a posse se confirmar?”
Ele também mostrou seu apoio à ditadura venezuelana. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil, que nestes dias enviou a Caracas cinco de seus representantes, que marcharam em motocicletas ao lado dos grupos chavistas. A iniciativa apelidada de ‘grande caravana’ foi organizada na quarta-feira, um dia antes das manifestações contra o Governo de Maduro convocadas em todo o país por María Corina Machado. O passeio de moto começou em um dos bairros simbólicos do chavismo, Petare, em Caracas, mas também um dos primeiros a questionar a vitória de Maduro em 28 de julho. A manifestação terminou no bastião do regime, no palácio presidencial de Miraflores. Nos últimos dias, o MST brasileiro, juntamente com outros movimentos sociais do gigante latino-americano, chegou a enviar uma carta a Maduro. “O reconhecimento desta eleição não só reafirma o nosso compromisso com a soberania venezuelana, mas também fortalece as relações de amizade e cooperação que historicamente unem as nossas duas nações”, diz o texto. O líder do MST, João Pedro Stedile, que viajou à Venezuela em julho para acompanhar as eleições, também negou qualquer fraude por parte de Maduro. “Há um discurso de que Maduro é um ditador, mas realizaram 30 eleições em 25 anos; “Os adversários vão continuar com esse discurso de fraude e de que não há democracia”.
Numa capa com a foto de Maduro intitulada “Ainda estou aqui”, a revista brasileira Crusoé usou a mesma frase que Lula falou referindo-se a si mesmo no aniversário dos acontecimentos de 8 de janeiro. “Eu ainda estou aqui. Maduro inicia seu terceiro mandato com o apoio de Lula”, diz a capa. “Ainda estou aqui” é na verdade o título do filme sobre a ditadura brasileira que recentemente ganhou o prestigiado Globo de Ouro Arthur Dapieve, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, disse à televisão brasileira Globo que. “O que o filme retrata no Brasil dos anos 70 é a Venezuela de hoje.” “Não se pode ficar emocionado com este filme e pensar que a Venezuela é algo fantástico. Ditadura é ditadura, quer venha da esquerda, da direita ou de cima”, acrescentou Dapieve.
O Brasil ainda não esqueceu a visita do ditador venezuelano a Brasília em maio de 2023, quando Lula celebrou abertamente Maduro. “Quantos anos você passou ouvindo que Maduro é um homem mau?”acrescentando que “cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa realmente mudar a opinião das pessoas”. Contudo, após as eleições de 28 de julho, não faltaram tensões entre os dois países. O governo brasileiro, juntamente com o governo colombiano, insistiu em solicitar os registros eleitorais a Maduro, pedido que, no entanto, nunca teve sucesso. Em reacção, em Outubro, o procurador-geral venezuelano, Tarek Saab, descreveu Lula como um “agente da CIA”, o serviço federal de inteligência dos EUA.
Contudo, isso não foi suficiente para que o Brasil ficasse do lado da oposição venezuelana. Nem as acusações do regime de Maduro contra Lula foram suficientes para que ele desistisse de enviar o seu embaixador à posse. O ditador venezuelano havia reclamado em outubro do veto do Brasil à entrada da Venezuela no grupo de países BRICS, e as tensões entre os dois presidentes chegaram a tal ponto que a Polícia Venezuelana postou na internet uma foto com a bandeira brasileira com a frase. “Quem mexe com a Venezuela acaba mal.” Além disso, em Setembro passado, a Venezuela tentou revogar a autorização do Brasil para assumir o controle do Embaixada da Argentina em Caracasonde se refugiaram seis políticos da oposição venezuelana, um dos quais, Fernando Martínez Mottola, conseguiu abandonar o edifício em dezembro, após longas negociações internacionais. O Brasil respondeu ao Governo Maduro que só transferiria representação se a Argentina designasse outro Estado para a tarefa, o que ainda não aconteceu. “Como principal grande potência nesta parte do hemisfério, o Brasil foi reduzido por Maduro a um estado de desamparo. Essa tarefa foi facilitada pelo próprio presidente Lula, que tolerou humilhações e afrontas de um tirano que o presidente brasileiro e seu partido sempre defenderam.”escreve William Waack no site da CNN Brasil.
A organização não governamental Transparência Internacional também interveio no debate. “O Brasil tem uma responsabilidade imensa na tragédia venezuelana, pelos anos que passou apoiando os regimes de Chávez e Maduro e financiando-os através da macrocorrupção”, escreveu em suas redes sociais e se perguntou: “O que farão as instituições e a sociedade brasileira diante do violento ataque a María Corina Machado e da escalada de opressão ao povo venezuelano?”. Sergio Moro, ex-juiz símbolo da operação anticorrupção Lava Jato, agora senador pelo partido governista União Brasil, também criticou Lula por suas relações históricas com a Venezuela. “Lula é o amante secreto de Maduro”escreveu ele em suas redes sociais, aludindo à frase proferida pelo presidente durante a comemoração do 8 de janeiro. “Sou um amante da democracia porque, na maioria das vezes, os homens estão mais apaixonados pela sua amante do que pela sua esposa”, disse ele.
De acordo com uma investigação da BBC Brasil publicada pouco antes de Maduro assumir o poder, o Brasil vendeu 20 mil latas de spray de pimenta ao regime venezuelano na véspera das eleições de julho passado. Segundo a mídia britânica, dois carregamentos cheios de barcos para serem usados contra os manifestantes passaram pela cidade brasileira que faz fronteira com a Venezuela. Pacaraimacom 18 mil habitantes, porta de entrada da maioria dos quase 600 mil venezuelanos que emigraram para o Brasil nos últimos anos. Após as eleições de 28 de julho, o regime de Maduro começou a reprimir à força com estes barcos a população que protestava contra a fraude eleitoral. Segundo um relatório da ONU, o governo venezuelano respondeu às manifestações com prisões arbitrárias e numerosas violações dos direitos humanos. A reação do regime foi imediata. Numa declaração oficial, rejeitou “categoricamente” as acusações contidas no documento e descreveu o relatório como “vulgar”, disposto apenas “a cumprir as ordens do governo dos Estados Unidos”. A exportação dos 20 mil botijões, segundo a BBC Brasil, foi autorizada pelo Ministério da Defesa e pelo Exército. O comentário do governo brasileiro foi que a exportação do produto estava de acordo com a regulamentação vigente. “A decisão de exportar material, mesmo que não seja letal, para um país que viveu uma viragem autoritária significativa nos últimos anos e que tem um histórico de repressão violenta contra os direitos políticos da população é claramente errada”, disse ele à BBC. Brasil. Bruno Langeani, conselheiro do Instituto “Eu sou pela Paz”.